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Só porque a água está calma, não pense que não há crocodilos


Os provérbios, como sábia referência às vivências do quotidiano, acrescentam património à nossa história. Este provérbio malaio conquista esse valor, recordando a necessidade de manter a vigilância sobre o que nos rodeia, como uma sensata forma de acautelarmos o nosso bem-estar e tranquilidade.

As “águas” em que nos movemos, tanto a nível pessoal como profissional, influenciam as nossas atitudes e comportamentos. Seria um cenário fantasioso que apenas navegássemos, em sentido figurado, em águas tranquilas. Arrisquei, anteriormente, escrever que águas tranquilas não fazem bons marinheiros – artigo que poderá revisitar aqui.

Somos seres que geram emoções e que comunicam permanentemente, mesmo que acreditemos, no nosso imaginário, que o silêncio nada comunica ou que somos hábeis a ocultar as emoções. A comunicação – verbal e não verbal – é uma espécie de tela interactiva, uma janela para o mundo, que nos permite expressar e gerir o mundo interior e interagir com o mundo dos pares. E a expressão de atitudes e comportamentos pela comunicação é mais densa do que inicialmente se possa deduzir.

Sobre a comunicação, e embora haja muito a partilhar e reflectir, debrucemo-nos apenas sobre os estilos de comunicação que mapeiam as acções – agressivo, passivo, assertivo e manipulador – e que configuram a forma como as “águas” se materializam e que possibilitam a criação de outras “formas de vida”, entendidas aqui em sentido figurado, como formatos latentes de algo que pode escapar a uma observação simples.

Viver em contextos caracterizados por “águas tumultuosas” em que os “crocodilos” são visíveis a olho nu é desgastante. Mas há uma vantagem: sabemos as circunstâncias manifestas e adaptamos o nosso comportamento no sentido de sobreviver neste limbo e/ou de decidir a acção para transformar a situação que nos desconforta. A este tumulto associo a comunicação agressiva, como forma de usar o ataque como a melhor defesa, no sentido de criar cenários de temor pela “figuração”. Os crocodilos têm o direito de se alimentarem da presa que entenderem.

Viver em contextos qualificados como “águas calmas” apela a um pragmatismo de análise e entendimento no sentido de identificar qual a natureza desta “tranquilidade”.

No padrão da quietude, podemos encontrar bonança, considerando, porém, que a vida que se pretende nas relações humanas carece de movimento e de troca expansiva de entendimentos no sentido de promover o desenvolvimento. Logo, a bonança jamais será sinónimo de quadro estático. A esta tranquilidade associo a comunicação assertiva, como forma salutar de agregar e de manifestar desacordo quando necessário, respeitando e escutando todos os intervenientes. Os crocodilos têm vida curta, pois não existem presas no sentido literal da palavra.

No padrão da quietude, podemos, também, encontrar águas estagnadas onde a possibilidade de vida passou a ser restrita e pouco atractiva, nomeadamente no que concerne à sobrevivência. A esta letargia associo a comunicação passiva, em que a responsabilidade e a energia de comunicar e de salvaguardar a segurança abandonaram os intervenientes. Estes concederam aos crocodilos o direito de se alimentarem da presa que entenderem.

E, por último, sem qualquer aleatoriedade, apartei o estilo de comunicação manipulador, sem que lhe tenha associado um “padrão aquático”. Este será sempre o estilo mais desafiante de identificar pela sua capacidade de se reconfigurar rapidamente consoante o contexto e as pessoas. Será hábil a encenar e representar cenários de águas tumultuosas, calmas e estagnadas. Contudo, será sempre um crocodilo.

Como o identificar? Como se proteger de um crocodilo? Promovendo, nos contextos em que nos movemos, um registo de comunicação assertiva, sem profusão de apontamentos latentes, com uma idoneidade e ética relacional. Tão simples, tão saudável!

Termino citando Saint-Exupéry, com uma fértil alusão ao provérbio deste artigo: “o essencial é invisível aos olhos”.

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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