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Quem diz a verdade não merece castigo


O que me fascina nos provérbios é a clareza que enforma o conteúdo que abordam, transmitindo uma mensagem objectiva e que, de tão óbvia, quase parece um pueril gracejo.

A verdade, um conceito que alguns se esforçam em reconfigurar noutros registos, será sempre a expressão de uma opinião sobre um determinado facto. Refiro, muitas vezes, que “não existem verdades, mas realidades”, pois todas as verdades decorrem de um contexto e de uma análise à luz de um património vivencial individual.

Tendo como ponto partida este princípio, ancorado no respeito pelo livre-arbítrio, a possibilidade de estarmos empaticamente receptivos a ouvir as verdades dos nossos semelhantes amplia-se. Além disso, expande-se o interesse pela perspectiva do outro, encarando os seus inputs como oportunidades para fazer mais e melhor, ou simplesmente fazer diferente, com vista à eficácia organizacional. As “verdades” partilhadas neste contexto nunca estão sujeitas a castigos – simbólicos ou reais. Estão, sim, sujeitas a reconhecimento, feedback positivo e gestão de talento.

A nível organizacional, mesmo que este processo se enquadre num óbvio painel hierárquico, ninguém se sente questionado ou atraiçoado na lealdade ao reconhecimento do estatuto. O líder é presente, activo, seguro de si e deseja ser respeitado em detrimento de temido. Valoriza as opiniões da sua equipa e aposta no entendimento por via da comunicação assertiva – explora, clarifica, reformula e argumenta.

Pelo contrário, quando estamos perante pessoas que se centram apenas no seu ponto de vista – a sua verdade dogmática – a possibilidade de comunicar é residual e, quando é arriscada esta façanha, a possibilidade de castigo é altíssima. Jamais existe interesse pela perspectiva do outro, que é categorizada como uma ameaça. As “verdades” partilhadas neste contexto estão sempre sujeitas a castigos, habitualmente num registo muito simbólico, de forma a quebrar o “dissidente”, muitas vezes usado para dar o exemplo a terceiros.

A nível organizacional, a hierarquia sente-se permanentemente questionada e atraiçoada. O líder é presente, num registo autocrático, pouco seguro de si e, embora deseje ser respeitado, é apenas temido e/ou boicotado. Desvaloriza e sublima as opiniões da sua equipa e bloqueia qualquer dinâmica de comunicação, apostando num registo informativo, directivo e controlador – ordena e controla a execução.

A decisão de dizer a verdade, seja apenas uma opinião ou um facto, exige coragem da parte do protagonista. Porque a História da Humanidade está carregada de exemplos em que a coragem teve um preço muito alto, muitas vezes com a penhor da própria vida. E fomos sendo educados e formados neste registo: a sublimar o que pensamos e o que sentimos com o receio do que subjaz a essa partilha.

Escrevi, anteriormente, aqui sobre a ingénua opção de pensar que “quem cala consente”. Talvez seja hora de cruzar os provérbios e interiorizar o que nos tentam, de forma simples e leve, dizer – que o comportamento humano tem uma interessante previsibilidade e que podemos ser seres mais sanos se assumirmos que comportamento gera sempre comportamento.

Termino citando Michel Foucault, um autor que prezo pela sua obra e que me acompanha há muitos anos: “As pessoas sabem o que fazem; frequentemente sabem porque o fazem, mas o que eles não sabem é o que faz o que eles fazem.”

E o que eles fazem não tem retorno. E um dia perceberão isso, sendo, porém, tarde de mais.

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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