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Casa roubada, trancas à porta


As palavras partilhadas em frases curtas, que se ampliam em sabedoria popular, são flechas certeiras. Neste âmbito, os provérbios, como mensagens de qualidade, simples e transparentes, podem alertar para situações do contexto e da vida. Este provérbio serve, claramente, este propósito.

A existência de um registo único de análise e acção perante as situações é um entendimento ambíguo. Seria, por certo, mais fácil, em algumas circunstâncias, dispormos de uma matriz universal, à qual recorreríamos em modo sistematizado para planearmos as situações do nosso quotidiano. Na minha modesta opinião, seria, na maior parte das situações, redutor e pouco eficaz. Além de subtrair a nossa capacidade analítica, criativa e de gerir a mudança, esta matriz transportar-nos-ia para um registo monocórdico e pouco desafiante.

Aprecio, pessoalmente, as matrizes que se elaboram a partir de análises circunstanciais e holísticas do contexto e que convivem com várias interpretações, decorrentes das áreas de saber, que se focam na responsabilidade e na capacidade de antecipação. Este provérbio foca, sem dúvida, a capacidade de antecipação e aplica-se à vida comunitária no seu todo, embora me centre, neste artigo, na vida organizacional.

Por vezes, nas Organizações, há um ingénuo desinvestimento na capacidade de antecipação, com consequências directamente proporcionais nos recursos e nos resultados. Os conceitos de “prevenção” e de “pró-acção” são, pela desculpa do tempo e da falta de recursos, relegados para um segundo plano, esperando que “a sorte proteja os audazes”. Se houvesse, com mais regularidade e intensidade, a possibilidade de analisar quantas horas perdemos a reagir, em detrimento de pró-agir, as conclusões seriam interessantes para transformar o modus operandi. Sublinhei o verbo “perder” de forma intencional. Sempre que, por sistema e norma, usamos tempo a atenuar situações, a gerir danos colaterais, a aplicar medidas paliativas, creio que se aplica, de forma clara, o sentido de “perda”. Perdemos energia, foco, motivação, satisfação e, nalgumas circunstâncias, perdemos pessoas – sem sentido simbólico. E o que mais se lamenta é que as aprendizagens sejam tão pouco retidas e aplicadas, num sucessivo remoinho de erro em erro, sempre redundando no mesmo erro.

Uma grande parte das situações danosas, quer a nível individual quer colectivo, poderiam ser evitadas, caso se investisse tempo em analisar o contexto, que nos transmite mensagens, na maioria das vezes, claras e óbvias. Sublinhei o verbo “investir”, mais uma vez, de forma intencional. Usar o tempo para planear – com qualidade a montante, com foco e projecção a jusante – é útil para galvanizar energias, gerir motivação e prevenir a frustração e a ansiedade.

Sem subterfúgios, devemos ter a humildade de considerar que errar é uma condição humana, que nos permite ascender a um plano superior de acção. Persistir no erro é, per se, um erro crasso, associado a uma incapacidade de analisar e actuar no sentido da melhoria contínua. Que tem um nome: incompetência.

Quando a casa é roubada – leia-se em sentido figurado –, a energia e o foco são profusamente orientados para pesquisar a culpa, descartando a responsabilidade. Num laivo de “pensamento mágico-infantil”, sossega-se a estrutura identificando a culpa, esperando que essa medida resolva a situação. O quadro da desonra é, assim, a prerrogativa da resolução. E as trancas, também em sentido figurado, são colocadas em modo inflexível e hermético, como forma de exemplo. E segue-se o curso da narrativa...

O cenário ideal seria a casa não ser roubada, e nessa matéria abundam recursos, de natureza multidisciplinar, possíveis de mobilizar. Obviamente, apenas acessíveis nos casos em que o pensamento estratégico é um valor ancorado e em ambientes em que se trabalha sob o predicado da responsabilidade.

Em síntese, tudo se resume a escolhas. E, nessa matéria, cada Organização faz as suas, consciente, ou não, das consequências inerentes.

Bem-aventuradas as Organizações que têm a nobre capacidade de orientar as suas escolhas com base em princípios estratégicos e colaborativos!

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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