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Quando a raiva chega, a sabedoria parte


A sensatez contida nos provérbios é um utilitário recurso para recordar que o equilíbrio é um alicerce seguro para as circunstâncias da vida, oscilantes entre a regularidade e a volatilidade. Este provérbio, que nos chega da Índia, fala desse equilíbrio individual e da tomada de consciência das consequências das nossas escolhas.

A palavra “raiva” pode soar a uma força devastadora, algo que associamos a um estado de energia cáustica voltada contra alguém e/ou contra nós mesmos. Neste artigo, opto por categorizar simbolicamente a raiva como um estado emocional que desafia o autocontrolo e, como consequência, a capacidade interna de metabolizar e canalizar as energias de forma mais equilibrada e compensada.

Sabemos do peso das emoções na nossa existência e de como são influenciadoras das nossas decisões e acções. Talvez por isso a centralidade da reflexão sobre a inteligência emocional esteja na ordem do dia. Durante muitos séculos, as emoções foram negadas e sublimadas com um custo alto a pagar por tal padrão. Ter-se-iam poupado muitas vidas – e outras tantas poderiam ter sido vividas com qualidade – se as emoções tivessem sido desde sempre valorizadas como um património a reconhecer e a gerir.

Felizmente, o paradigma mudou. E com esta transformação, dispomos hoje de um manancial de conhecimento valioso que nos permite perceber que depende de cada pessoa a gestão do seu património emocional. Na actualidade, é um privilégio ter a legitimidade e a capacidade para cada pessoa poder observar as suas emoções, expressá-las, reconhecendo as dos seus pares, e usar esse património para facilitar a relação.

O bom senso e a clarividência para olhar o interior e perceber o estado emocional individual constituem um patamar essencial para perceber a qualidade e a racionalidade que sustentarão as decisões. Relembrar o compromisso de accionar o “locus de controlo interno”, assumindo a responsabilidade pelas reacções, é uma garantia de que assumimos o controlo pela situação e que o mundo não é totalmente controlado por acontecimentos externos.

Onde estiver o nosso foco, está a nossa energia. Se o foco está num registo de efervescência biopsicossocial, convulsionado por impulsos negativos e sombrios, toda a energia está focalizada nesse registo. É como se, simbolicamente, se acendesse um foco de luz, num determinado local, que, pela sua potência, provocasse um curto-circuito que extinguiria a iluminação de outro lugar. Esta é a imagem do provérbio. A raiva é uma potência de energia demasiado poderosa que dispara o quadro central da nossa energia vital e da racionalidade. Quando a raiva se instala, a racionalidade é sublimada pelo “apagão”. Por isso se compreende que são potenciais acções a lamentar as que ocorrem em estados de raiva.

Assuma-se que somos humanos, sujeitos a estados emocionais diversos e circunstanciais. Assuma-se, também, que somos autores da nossa história e responsáveis pela prosa que, internamente, desejamos mobilizar – cientes de que a prosa interna determina e influencia os “leitores” com quem nos cruzamos.

Raiva e sabedoria são duas energias de residual convívio salutar e profícuo. Cabe-nos decidir qual das duas terá o maior protagonismo na história que escrevemos dia a dia.

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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