top of page

O que podemos reflectir com "The Giver"​?


O filme Dador de memórias (do original The Giver), baseado no livro com o mesmo nome de Lois Lowry, é mais do que uma obra cinematográfica de ficção científica. É uma imersão no mundo das emoções e na forma como estas influenciam a dinâmica da comunidade e a gestão individual do comportamento.

Numa breve sinopse, é-nos apresentada uma comunidade aparentemente pacífica e perfeita, na qual tudo o que enforma a vida com cariz menos positivo foi eliminado. As memórias da Humanidade – guerra, doença, tristeza ou sofrimento – são inexistentes. Desapareceram as cores, a música, os livros. O mundo é apresentado a preto e branco, sendo essas as cores que determinam a vida em comunidade. As comunidades são, assim, “sítios serenos e belos onde a desordem se tornou harmonia”.

As opções e as escolhas individuais são formatadas externamente, sendo os papéis a desempenhar na sociedade pré-determinados e comunicados numa “cerimónia anual de progressão” em que, em função do “perfil”, os elementos da comunidade são chamados a incorporar esse papel, interpretando as responsabilidades e expectativas correspondentes.

As regras, apresentadas como as “fundações da igualdade”, são aprendidas logo em criança:

  1. Use linguagem precisa

  2. Vista a roupa adequada

  3. Tome a medicação matinal

  4. Obedeça ao recolher obrigatório

  5. Nunca minta

Tudo parece imerso numa perfeição plena e idealista. Não existem mentiras. Sempre que alguma acção menos positiva é feita, limitada a um acervo inócuo, imediatamente são pedidas desculpas, havendo um feedback automático com uma frase formatada de “aceitamos as suas desculpas”.

A comunicação, em formato de palavras e expressão, é hermética, e tudo o que pode residualmente apontar para a emoção é automaticamente cerceado com o reminder “Linguagem precisa, por favor!”.

Não existe ética e/ou moral, e a possibilidade espontânea individual de exercer o juízo entre o certo e o errado é formatada a uma realidade única inquestionável. Um exemplo é a acção de enviar “para o outro lado” um bebé que não cumpre o percentil da idade. Quem executa essa ordem, aplicando a eutanásia, cumpre-a sem qualquer emoção e/ou associação do certo ou errado, considerando que está no cumprimento de um comportamento inofensivo. O “outro lado”, também, é o destino dos séniores quando deixam de ser úteis à comunidade ou se um elemento se desajusta da comunidade.

Existe, na comunidade, uma única pessoa que encerra em si as memórias da Humanidade, sejam elas boas e/ou más, e que tem a função de as transmitir a quem seja o escolhido para ser o novo receptor de memórias.

A ilusão da perfeição começa a ser desarvorada quando é designado um jovem como o novo receptor de memórias, que se apresenta nos primeiros segundos do filme: “O meu nome é Jonas, não tenho apelido; nenhum de nós tinha (...) vivíamos num mundo onde as diferenças não eram permitidas; não havia popularidade nem fama, nem vencedores, nem perdedores; os nossos anciãos tinham eliminado tudo isso para não haver conflitos entre nós”.

Jonas é a personagem que assumirá o elemento diferenciador nesta quimérica ordem social, questionando a legitimidade de ocultar aos seus pares a felicidade e o contentamento apenas porque esse é o meio para ocultar a tristeza, o caos, a violência. Jonas foi escolhido em função de quatro atributos, que são comunicados pela anciã na cerimónia anual de progressão em que completa 18 anos: «inteligência, integridade, coragem e outro que posso nomear, mas que não posso descrever: “a capacidade de ver mais além”».

Em suma, o que podemos reflectir com este filme?

  • Apagar a História da Humanidade é negar a própria Humanidade

  • O que nos torna humanos é a dicotomia das experiências e das vivências

  • A perfeição e a harmonia permanente são uma falácia

  • As escolhas individuais são um direito

  • A negação ou castração das emoções esvazia a nossa essência

  • A capacidade de análise, decisão e acção ancora-se nas emoções

  • A ética necessita de integrar racionalidade e emoção

  • A memória necessita das emoções e vice-versa

  • A determinação de regras normalizadoras e estigmatizantes consome o sentido da vida

  • As escolhas individuais e colectivas são aprendizagens, independentemente de serem boas ou más

  • As memórias da Humanidade devem ser recordadas para que se evitem os mesmos erros do passado

Porque as imagens valem mais do que simples palavras, partilho aqui o trailer oficial.

Termino citando Lois Lowry, que escreveu The Giver: “It's just that... without the memories it's all meaningless”.

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

bottom of page