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O que podemos reflectir com “O cavaleiro da armadura enferrujada”?


O Cavaleiro da armadura enferrujada, livro da autoria de Robert Fisher, surge na minha vida, no ano de 2018, pelas palavras de um formando, provando, sem margem para dúvidas, que o contexto de formação se faz de partilhas em modo bidireccional. Falávamos, na altura, do livro O elefante acorrentado, a propósito das nossas experiências e da forma como influenciam (in)conscientemente a nossa vida e o nosso percurso.

Essa partilha trouxe à luz, novamente, a forma como permitimos que a vida nos prenda, acorrente ou simplesmente nos condicione, muitas vezes afastando-nos dos nossos pares ou tão-somente de nós mesmos.

Neste livro de Robert Fisher, é-nos apresentado “um cavaleiro que pensava ser bondoso, gentil e amoroso. Ele fazia tudo que um cavaleiro bondoso, gentil e amoroso faz. Lutava contra inimigos que eram malvados, grosseiros e odiosos. Matava dragões e resgatava donzelas formosas em apuros. [...] era conhecido por sua armadura. Esta refletia raios de luz tão claros que, quando o cavaleiro partia para a batalha, os aldeões podiam jurar que tinham visto o sol nascer no Norte ou se pôr no Leste. E ele estava sempre cavalgando para batalhar”.

Para que servem as armaduras? Para protecção, pensaremos de imediato. Porém, de quando em quando, são tão pesadas, tão sobrepostas que nos impedem até o andar e/ou o equilíbrio.

Já aqui escrevi sobre as imaginárias carapaças que criamos, na tentativa de nos resguardarmos dos outros. Ironicamente, por vezes, apenas servem para nos resguardarmos de nós mesmos e tentarmos iludir a nossa segurança com base numa indumentária que apenas nos torna mais frágeis.

A armadura muda-nos; muda a nossa estatura e imagem perante os outros. Mas a armadura não nos transforma, pois no interior continuaremos a acumular e a escamotear as nossas inseguranças, medos e receios. Recordo, novamente, a frase marcante de Helena Cavacas Veríssimo, com quem tive o privilégio de me cruzar na vida: “Toda a transformação gera mudança, mas nem toda a mudança gera transformação”. As armaduras são apenas um estilo sazonal ou contextual de mudança, num formato de “pronto-a-vestir”. A transformação é um processo interior que gera “massa muscular” que nos permitirá, de dentro para fora, gerir as circunstâncias voláteis e imprevisíveis do nosso quotidiano.

A questão mais delicada será sempre a irónica composição das armaduras, que, se não forem removidas amiúde, ganham ferrugem e se tornam perras. E um dia passam quase a ser uma segunda pele, sem a qual deixamos de viver. O cavaleiro desta história, no dia em que a tenta remover, confrontado pelo mal-estar e tristeza verbalizada pela sua mulher – que estranha o distanciamento simbólico –, percebe que não a consegue efectivamente remover. Procura um ferreiro e confronta-se com o inevitável: “[...] o ferreiro era de longe o homem mais forte do reino. Se ele não conseguia tirá-lo de dentro da armadura, quem conseguiria?” E assim começa a sua diáspora de desafio, descoberta e introspecção.

O cavaleiro propõe-se fazer uma viagem para encontrar o Mago Merlin, que se cruzará consigo em momento oportuno. “Quando o discípulo estiver pronto, o mestre estará por perto”. Um caminho de perguntas certas para que o cavaleiro reflicta e dê as suas próprias respostas. Afinal, é disso que a vida se trata – fazer as perguntas certas em detrimento de criar, instantaneamente, as respostas certas.

E fazer as perguntas certas abre-nos a consciência que o Mago Merlin adverte: “[...] não pode continuar a viver e a pensar como fazia no passado, essa é a principal razão por que ficou encarcerado nessa prisão de aço”.

Eis o que partilha esta história, habitada por animais que falam, e o que dela podemos extrair em modo de reflexão:

  • A felicidade depende de nós em detrimento de um padrão de exclusividade de um conjunto de circunstâncias do contexto – “Os animais aceitam e os seres humanos têm expectativas. Você nunca ouvirá um coelho dizer "Espero que o sol apareça de manhã para eu poder ir até o lago brincar". Se o sol não aparecer, isso não estragará o dia do coelho. Ele simplesmente é feliz sendo um coelho”;

  • As oportunidades só se vêem quando compreendidas, pois de outra forma estaremos alheados da sua existência: “Não vejo porta nenhuma. Não é possível ver, até que se compreenda – disse o rei. – Quando você compreender o que há nesta sala, será capaz de ver a porta que conduz à sala seguinte”;

  • Existem momentos em que o silêncio da nossa introspecção, em relação intrapessoal, nos permite o confronto com a nossa real imagem – “Descobri que, quando estava com alguém, mostrava apenas a minha melhor imagem. Não deixava as barreiras cederem e não permitia que nem eu nem a outra pessoa víssemos o que eu estava tentando esconder”;

  • O valioso caminho do autoconhecimento é essencial em todo o nosso percurso – “[...] a viagem pelo Caminho da Verdade nunca termina. Cada vez que volto encontro novas portas, enquanto minha compreensão se expande. [...] não há nada mais bonito que a luz do autoconhecimento”;

  • Viver o momento e desfrutar do privilégio do presente promove a nossa capacidade de projecção no futuro – “[...] durante toda a sua vida, perdera tempo falando sobre o que tinha feito e o que iria fazer. Nunca desfrutara o que estava realmente acontecendo”;

  • Para amar os que nos rodeiam precisamos primeiro de cultivar o nosso amor próprio – “[...] somente quando nos amamos podemos amar os outros”;

  • Acrescentaria que também podemos perceber que os outros não nos amam, ou que nos usam e aprisionam, e que é altura de partir em vez de mendigar sentimentos;

  • Seria maravilhoso ter um espelho que nos apoiasse no caminho: “Não é um espelho comum, ele não mostra como você parece. Mostra o que você realmente é”;

  • Ambição e riqueza são coisas diferentes na cabeça de quem as gere – “A ambição originada na mente pode-lhe render lindos castelos e belos cavalos. Entretanto, somente a ambição que vem do coração pode trazer também felicidade [...] A ambição do coração é pura, não compete com ninguém e nem fere ninguém. De facto, ela o serve de tal maneira que serve os outros ao mesmo tempo”;

  • O Ser Humano precisa de destrinçar necessidade de ganância – “[...] poderia vender algumas de suas maçãs para pagar pelo castelo e cavalo novos. Depois poderia doar as maçãs de que não precisasse para que outros pudessem se alimentar”;

  • Conhecermo-nos a nós mesmos é um poderoso meio de vencer a insegurança – “Se você acredita que o Dragão do Medo e da Dúvida é real, você lhe dá poder para queimar suas calças e tudo mais [...] o autoconhecimento pode matar o Dragão do Medo e da Dúvida”;

  • É necessário rejeitar a culpa e aceitar a responsabilidade pela reacção ao que nos acontece, fortalecendo o locus de controlo interno em detrimento de engordar o locus de controlo externo: “Naquele instante, aceitou plena responsabilidade por sua vida, pela influência que as pessoas tiveram sobre ela e pelos acontecimentos que a tinham modelado”.

Termino citando o autor: “[...] levantamos barreiras para proteger quem pensamos ser. Então um dia ficamos presos atrás das barreiras e não conseguimos mais sair”.

Este livro é, sem dúvida, uma viagem. Uma viagem ao interior do mundo emocional que nos habita. Comprem o bilhete e desfrutem da jornada!

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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