Haverá assim tantos chapéus ou temos de ser palermas?
As vivências também se fazem de cultura e, por vezes, essa cultura perpassa, por exemplo, a tela de um filme. Muitos de nós se recordarão do filme “A Canção de Lisboa”, em que o personagem Vasquinho, um estudante de Medicina que vivia à sombra das suas tias ricas, proferiu a famosa frase: “Chapéus há muitos, seu palerma!” Esta expressão, que se tornou icónica, continua a ser utilizada com frequência e possui um significado que pode ser reinterpretado, especialmente à luz da técnica dos seis chapéus.
E como ligar essa frase à técnica dos seis chapéus? Perante uma analogia aparentemente improvável, procurarei reconstruir as pontes de intersecção. Em primeiro lugar, esta frase não só captura a essência do humor e da sagacidade do personagem, mas também levanta uma questão fundamental: quantas opções realmente temos e como as utilizamos?
Antes de mais, é importante contextualizar a “técnica dos seis chapéus”, um método de pensamento criado pelo psicólogo Edward de Bono nos anos 80. Esta abordagem inovadora alicerça-se no conceito de pensamento lateral, uma forma criativa e não convencional de abordar problemas e desafios, contrastando com o pensamento vertical, habitualmente linear, que segue uma lógica tradicional. O pensamento lateral promove a incubação de soluções inovadoras ao reorganizar informações existentes, permitindo que se explorem alternativas que, muitas vezes, passam despercebidas em análises mais rígidas.
Conclui-se, então, a primeira ideia: pode haver várias formas de olhar um problema (sem que tenha de ser um entendimento negativo, leia-se “problema” em sentido lato, como um desafio, uma oportunidade que se pretende gerar e/ou implementar). Afinal, pode, assim, haver vários chapéus?
Ao relacionar esta expressão com a técnica dos seis chapéus de Edward de Bono, encontramos um terreno fértil para explorar a diversidade de perspectivas que podemos adoptar na tomada de decisões. Cada “chapéu” simboliza uma maneira distinta de pensar, permitindo-nos abordar problemas e situações sob diferentes ângulos – tal como a frase de Vasquinho, que pode ser vista como uma metáfora para a variedade de abordagens que temos à disposição na vida.
Vejamos os “seis chapéus” disponíveis:
Chapéu branco – representa a objectividade e a procura de informações. Que dados, evidências e factos temos à disposição e como podemos organizá-los de forma clara? De que dados precisamos e quais as fontes confiáveis? Existem lacunas que devemos identificar e preencher?
Chapéu vermelho – explora as emoções e intuições do momento presente. Quais os sentimentos imediatos sobre este assunto? O que nos emociona ou inquieta neste contexto? Existem medos ou preocupações que precisam de ser expressos? Que intuições ou pressentimentos? Terão influência as emoções dos outros, condicionando as minhas
Chapéu preto – representa o pensamento crítico e cauteloso. Quais são os riscos e desvantagens desta abordagem ou decisão? O que pode dar errado? Existem falhas ou fraquezas? Como podemos mitigar os problemas identificados?
Chapéu amarelo – foca-se no otimismo, nas possibilidades e na exploração de benefícios e oportunidades. Quais são os benefícios desta abordagem ou decisão? O que pode funcionar bem? Que oportunidades positivas podem surgir? Quais são os pontos fortes? Como podemos maximizar os resultados favoráveis?
Chapéu verde – estimula a criatividade e a inovação, desocultando possíveis alternativas. Que novas ideias ou abordagens podem ser consideradas? Como podemos pensar fora da caixa para avançar? Existem soluções alternativas ainda por explorar? Que combinações de ideias podem gerar resultados interessantes? Como podemos adaptar ou modificar estas ideias para uma maior eficácia?
Chapéu azul – organiza o pensamento e define o processo, num papel corajoso de organizar e facilitar a dinâmica da técnica. Qual o objetivo da discussão? Como podemos/devemos organizar as informações e as ideias apresentadas? Que chapéus já foram utilizados e quais podemos ainda explorar? Qual é o próximo passo a seguir? Como podemos resumir as conclusões e decisões tomadas? Estamos a cumprir os prazos e as metas estabelecidas para esta análise?
Percebemos agora que estamos perante um desfile de chapéus e que a vantagem de uma equipa pode residir em ter todas as cores. Devemos, pois, acordar para essa circunstância (competitiva e proveitosa) e deixar de ser “palermas”, achando que só o chapéu que se usa é a última tendência da moda. Até porque a moda é feita de muitas tendências e o que é comum numa estação é facilmente substituído na estação seguinte. E por falar em estações, fruto das alterações climáticas, temos, cada vez mais, as quatro estações num único dia. O contexto muda e ao ser humano, pela sua plasticidade, cabe-lhe adaptar-se.
O ideal (ou não) seria termos os seis chapéus na cabeça; mas isso não seria um pouco aborrecido? Além de que, quando alguém muda de chapéu muito repentinamente, sem um bom argumento, seremos nós palermas se não nos soar uma campainha de que estaremos perante um comportamento manipulador – que se dispensa numa equipa sã.
Em modo de conclusão, o que fica no final do dia é o equilíbrio entre método e simplicidade. A técnica dos seis chapéus tem o seu mérito, quando nos ajuda a ver problemas de diferentes ângulos e a organizar o pensamento e a estratégia. Mas será que às vezes não tendemos a complicar demais? Quantas horas preciosas de reuniões infindáveis que não conduzem ao objetivo?! Sentido prático precisa-se, numa era em que a Inteligência Artificial (IA) analisa um problema complexo de vários prismas e em segundos, sem viés relacionais ou de outro género.
No fim, talvez a verdadeira sabedoria esteja em saber quando usar cada chapéu e quando, simplesmente, confiar no nosso instinto. Afinal, como diria o nosso amigo português, “chapéus há muitos”, mas cabeça para usá-los bem, às vezes, é o que falta.
Então, da próxima vez que se vir diante de um problema, pergunte-se: preciso realmente de seis chapéus, ou será que estou a ser palerma por complicar demais?
✓ Revisão de texto realizada por José Ribeiro
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