O que podemos reflectir com "O Rapaz Que Prendeu o Vento"
Um filme que se desenrola num contexto completamente diferente da nossa realidade pode, à partida, conduzir-nos no errático caminho de ser considerado como pouco atractivo. Tendemos a fixar-nos mais em tramas com as quais nos identificamos nas condições e na estrutura socioeconómica.
Temos, assim, de dar um salto de impulso para nos focarmos no que esta história real partilha na sua abundância de reflexão e de aprendizagem.
O filme, realizado pelo actor Chiwetel Ejiofor, retrata o ano de 2001, uma data que todos recordamos pelo abanão que foram os atentados de 11 de Setembro. Talvez por isso tenha passado mais despercebida a situação vivida pela população do Malawi, afectada por fortes chuvas seguidas de uma seca profunda, que gerou situações tremendas de escassez de bens agrícolas e, consequentemente, de fome.
William Kamkwamba é o protagonista, muito embora todas as personagens tenham um papel agregador na história. Cada um com o seu contributo, seja em modo de encorajamento, motivação e superação, seja de bloqueio, desmotivação e segregação – à semelhança do que sucede na vida real, em que somos mais do que nos acontece para sermos o que decidirmos com o que nos acontece.
A família de William desejou um futuro diferente para os filhos, entendendo que a escola seria um percurso de investimento para uma vida melhor. Mas nem sempre a escola é um caminho de empoderamento natural quando as condições de acesso e de permanência são bem diferentes do contexto real. À família de William faltou o dinheiro para o pagamento de propinas em face da decisão de terem de canalizar as parcas poupanças para a sobrevivência diária.
William é um miúdo curioso e autodidacta, igual a tantas crianças e adultos, que de vez em quando se ocupa a arranjar rádios e que vai até à sucata, com o seu amigo, procurar pequenas preciosidades.
O filme, cuja fotografia é fascinante, centra-se numa abordagem crua do quotidiano de uma comunidade e de um país – no aspecto educativo, económico, social e político – para migrar para a maior lição que poderemos retirar: no meio da dificuldade surgem as pequenas centelhas de perseverança e de “fazer acontecer”.
William construiu um moinho de vento, como se fosse um puzzle com peças de várias caixas, que permitiu produzir energia e extrair água do poço para as culturas agrícolas, minimizando, assim, a situação difícil que a sua comunidade enfrentava sem outros recursos ou apoios.
O que podemos reflectir:
Os recursos úteis, que nos fazem sair das situações difíceis, não se ancoram necessariamente apenas nos bens materiais. Sim, fazem falta! Mas não se pode reduzir a capacidade de fazer acontecer apenas a este âmbito – na família de William, o dinheiro é um recurso raro, o que impele a encontrar/reciclar/reutilizar outros recursos.
Nem sempre temos as respostas todas. Às vezes, só as ideias. Por isso, vamos aos livros, falamos com outras pessoas. Tentamos e erramos, voltamos a tentar – William teve a epifania da ideia, e isso foi o “quanto baste” para manter a sua motivação para atingir o objectivo a que se propôs.
Podem ser residuais os suportes de motivação, mesmo das pessoas que nos rodeiam. Não porque não confiem na nossa competência, mas talvez porque estejam demasiado amorfos, ligados ao problema e esquecendo a capacidade maravilhosa de focar na solução – o pai de William foi dos últimos a aderir à ideia e motivar a sua execução.
É no meio do desafio que nos centramos no que temos e podemos potenciar, em detrimento do que não temos – William só tinha uma sucata, com material em formato de carcaça, um dínamo e livros.
Tinha o mais importante – vontade de fazer acontecer.
Este filme, além da lição de tenacidade, é um dínamo – sim, um dínamo – que faz a diferença. Dei por mim a pensar que, no contexto atual, cada um de nós tem de encontrar o seu dínamo, que permita agregar o valor necessário em parceria com os seus pares, com as Organizações, para conseguir manter, em sentido figurado, os campos cultivados.
O que vivemos pode ser muito bem comparado a uma severa seca, que nos desafia em cada dia. A expressão “Tudo vai ficar bem!”, neste momento, pode ser positiva no sentido de alavancar a nossa energia. Porém, esgota-se, rapidamente, se deixar de estar associada a acções concretas.
Construir um moinho ou tão simplesmente contribuir com materiais depende do talento de cada um. William é uma personagem real. Tal como nós. Se ele conseguiu, inspiremo-nos no seu exemplo para ir ao que interessa.
Como uma imagem pode valer mais do que mil palavras partilho aqui o trailer do filme
E porque o final do filme nos coloca um sorriso no rosto com um moinho de vento, termino com a partilha de uma frase de Miguel de Cervantes: “A perseverança é a mãe da boa sorte.”
✍Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.✓Revisão de texto realizada por José Ribeiro
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