Uma Carta para Garcia – Reflexão sobre responsabilidade e missão
O clássico ensaio de Elbert Hubbard Uma Carta para Garcia continua a ressoar como uma reflexão atemporal sobre responsabilidade e sentido de missão. Escrito em 1899, este livro não apenas capturou a essência do comprometimento individual, mas também permanece relevante mais de um século depois, especialmente num mundo em constante mudança.
Este livro foi-me indicado por um colega e amigo numa conversa quotidiana, provando, mais uma vez, que aprendemos tanto fora dos contextos mais formais, mesmo que essas aprendizagens não venham, em tempo algum, a ter um certificado que as ateste.
Quando li o livro, generosamente oferecido, movida pela curiosidade de perceber a reflexão que este amigo tinha feito, rapidamente percebi onde me queria fazer chegar. Registei, nas minhas notas digitais, breves tópicos para voltar a ler partes do livro que tinha sinalizado:
Que tópico tão inocente!
Se não recebe, ponto final.
Talvez a carta não seja importante; talvez Garcia não esteja interessado em recebê-la.
A vida flui e a carta passa a ser um assunto arquivado.
Está tudo certo?
Não, pode estar mesmo tudo errado!
Estes tópicos foram registados digitalmente no dia 22 de junho de 2023 e ficaram a marinar uns bons meses. Resgatei-os hoje e, com um olhar mais distante, regressaram.
De facto, à primeira vista, a tarefa de entregar uma carta pode parecer a missão mais inócua do momento, no meio de tantas tarefas que entram em modo de urgência, se sobrepõem, se acumulam. Muitas vezes o briefing que devia acompanhar a entrega da carta é pouco claro e/ou pouco escutado. Devemos recordar que numa mensagem existem quatro camadas que nos desafiam: o que se pensa estar a dizer; o que se diz na realidade; o que o outro escuta; o que o outro compreende. Como nos movemos muitas vezes numa “conduta” sugadora, parece restar pouco tempo para comunicar e dar oportunidade para confirmar. Não raras vezes, a missão de entregar a tal carta é delegada à pessoa menos adequada, num erro de casting que poderia ter sido evitado. Mas nem sempre há tempo – ou recursos preparados para tal – e vamos fluindo no “é o que temos”.
E, de inocência em inocência, a sequência continua o seu curso. Segue-se, às vezes, a inocência (consciente ou não) de pensar: “Se não recebe, ponto final. Talvez a carta não seja importante, talvez Garcia não esteja interessado em recebê-la.” É até tentador deixar que “a vida flua e a carta passe a ser um assunto arquivado”, convencendo-nos de que “está tudo certo”.
E, num dia inesperado, soam as campainhas em modo de urgência e tecem-se as conclusões perante os factos: “Está tudo errado”; Garcia não recebeu a carta; às vezes nem sabia da sua existência. Procura-se o “plano B” – em modo frenético para sanar sintomas – e, quanto às causas, bem... um dia, se houver tempo, pensamos nelas.
Encontra-se um elemento que consiga “voar”, com uma forte tendência a ser colaborativo, esperando que faça “aquele milagre” de entregar a carta a Garcia em tempo recorde.
A mensagem do livro de Hubbard só poderia ser esta: a responsabilidade e o comprometimento com a missão são fundamentais, independentemente da aparente simplicidade ou complexidade da tarefa. O protagonista da narrativa exemplifica estas qualidades ao aceitar a missão sem questionamentos ou hesitações, demonstrando um nível de dedicação que vai além do mero cumprimento de ordens. Nem tudo deve passar por ordens: há coisas que partem quase em exclusivo do património interno individual, que se ancora na atitude e no comportamento.
Numa era desafiante em que as tecnologias emergentes parecem alvitrar a desnecessária acção humana, é aqui que o ser humano será insubstituível. Seja no ambiente profissional, na vida pessoal ou na sociedade em geral, a capacidade de assumir responsabilidade e cumprir tarefas com dedicação é mais valorizada e necessária do que nunca.
Entretanto, é importante reconhecer os desafios modernos à responsabilidade. A sobrecarga de informações e as constantes distracções podem dificultar o comprometimento com as tarefas. A “cultura da multitarefa” impede-nos, muitas vezes, de focar no essencial e leva-nos à complacência.
A carta é apenas um simbolismo. O que importa é relembrar a metáfora da Carta a Garcia cada vez que nos deparemos com uma tarefa aparentemente simples ou um desafio audaz.
Assumir a responsabilidade, abraçar a missão com determinação podem ser aqueles alicerces que permitem não apenas transformar o resultado da tarefa, mas também impactar o crescimento pessoal e profissional. Afinal, no mundo interconectado de hoje, cada acção, por menor que pareça, pode ter um impacto significativo no todo.
Por fim, convido a uma reflexão: como podemos aplicar os princípios de Uma Carta para Garcia na nossa vida? Que pequenas acções poderemos tomar hoje para garantir que as responsabilidades sejam cumpridas (e com excelência)?
✓ Revisão de texto realizada por José Ribeiro
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